Quando (1963-1970) trabalhava na agência do Banco do Brasil de Pombal, apesar de não haver livrarias nem bibliotecas públicas na cidade, nunca me faltou livro para devorar. Assim, um novo colega me propôs a troca de sua Bíblia – Versão Clássica do Padre Antônio Pereira de Figueiredo, toda comentada e ilustrada, 17 volumes – pela coleção de contabilidade que eu trouxera, … e que me trouxera ao banco. A isso devo uma leitura intensa do Velho e do Novo Testamento, que me levou à de outra coleção, a dos RACIONALISTAS, adquirida de um dos muitos vendedores de coleções que nos visitavam, e ali pude conhecer algo de Darwin (como A Origem das Espécies), Renan (a Vida de Jesus) e Luiz Büchner (Força e Matéria, O Homem Segundo a Ciência).

E quantas obras tinha o Dr. Atêncio Bezerra Wanderley, como O FENÔMENO HUMANO – de Teilhard de Chardin, que me encantou com sua teoria da evolução, como que confirmando a célebre frase de Leonardo e Lovelock, de que a Terra vive e tem uma alma. Inevitável que o Logos – do evangelho de João -, indevidamente traduzido como Verbo, na verdade Inteligência, Razão (que estava com Deus e era Deus) – me levasse a PLATÃO – começando com A REPÚBLICA, obra em que eu flagrara, atônito, no século quatro antes de Cristo, o tal julgamento envolvendo um homem Justo e outro absolutamente Injusto, em que vi o de Cristo e Barrabás, o Justo terminando na cruz.

De outro colega li a Biblioteca Científica da Life. De um terceiro, as obras completas de Zé Lins, Machado, Jorge Amado e Tolstói. Da refinadíssima dona do cartório – Nena Queiroga – li Somerset Maugham e Hemingway. Em Pombal comprei e devorei a Enciclopédia Jackson (que ainda tenho, toda sublinhada). E nessa época ri ao ver Sartre gozando de minha cara ao ridicularizar, no romance A Náusea, o Autodidata, um sujeito que está lendo – em ordem alfabética – tudo que há na biblioteca da comuna de Bouville, Normandia, de 970 habitantes, “revelando respeitável cultura que já ia na letra I”.

Nessa época li uma reportagem com cientistas da NASA dizendo que precisamos apenas de três horas de sono por noite, para uma vida saudável. Passei a fazer isso. Li muito, nessas noites em claro, e mantive a rotina até a manhã em que vacilei na calçada, quando chegava ao banco, para o expediente, e tive de me escorar na parede.

W. J. Solha: romancista, poeta e ensaísta paulista radicado na Paraíba, é também dramaturgo, ator, artista plástico e publicitário, com vários livros publicados e premiados, transitando em várias frentes de nossa cultura; um artista "multimídia" por excelência.

E-mail: waldemarsolha@gmail.com