A filosofia de Leibniz* é de discussão problemática, uma vez que grande parte de sua obra é fragmentária, faltando-lhe, muitas vezes, o devido cuidado de um processo de revisão, que poderia eliminar do corpo de sua obra certas inconsistências e incongruências. De outra banda, Leibniz aceita a lógica aristotélica de sujeito-predicado, o que, de certo modo, confundiu, para o público em geral, o sentido de seus estudos sobre a lógica matemática, tendo boa parte de sua obra produzida nesse campo vindo à tona somente no início do século XX. Uma de suas concepções de viés extremamente idealista foi a possibilidade de inventar uma linguagem simbólica universal perfeita, que, na verdade, sempre foi o principal objetivo racionalista da filosofia de tradição cartesiana e, por que não dizer, da própria ciência.

Sua visão otimista da realidade, baseada em um ideal de harmonia preestabelecida, foi alvo de diversas polêmicas em sua época, além de receber severas críticas de seus contemporâneos, como Voltaire, que satiriza o pensamento de Leibiniz em sua obra imortal Cândido ou o otimismo, na qual há um personagem – o Doutor Pangloss – que é retratado de maneira jocosa e anedótica, representando as convicções otimistas de viés leibniziano.

Ademais, a crítica mais contundente recebida por Leibniz, entretanto, viria de seu conterrâneo Immanuel Kant, com a publicação da obra Crítica da Razão Pura, onde o pensador prussiano demonstra que o entendimento metafísico de Leibniz não passaria de mera abstração, de cunho demasiado imaginativo e apartada da realidade.

Não obstante a oposição recebida – e em que pese seu racionalismo de cunho idealista, deveras centrado em um inatismo de ideias -, boa parte de seu arcabouço teórico é de matizes ecléticas, procurando, no mais das vezes, conciliar diferentes e, até mesmo, em certos casos, antagônicos pontos de vista, o que demonstra uma quase constante busca por posições conciliatórias. Sua visão dinâmica do conhecimento humano influencia, hodiernamente, vários pensadores contemporâneos, tais como Edgar Morin (e sua concepção de interdisciplinaridade dos saberes), além de uma tradição lógica presente na matemática e em pensadores da chamada “lógica moderna”, como Frege, Russel e Wittgenstein.

No bem montado e amarrado projeto filosófico leibniziano, não há uma clivagem entre ordem e caos, entre organização e desordem. Os pareceres críticos sobre o agir humano e o de Deus nos põem no “melhor dos mundos possíveis”, em que pesem as ferinas críticas que essa visão de mundo recebeu.

Leibniz, de certa forma, antecipa, talvez de forma inconsciente, o que viria muito tempo após a sua época, o que seria o mundo três séculos depois, criando antídotos contra a toxina da pós-modernidade, como o pluralismo de sua metafísica/ontologia monadológica (aparelhando o pensamento humano com uma ideia de harmonia preestabelecida por uma mente superior, em oposição à confusão de nossos dias). Ainda assim, todo o caos de nossa era está inserido nos conceitos de harmonia preestabelecida, fazendo parte deste que é o melhor dos mundos possíveis.

Ao final, dado o contexto histórico, social, científico e filosófico em que viveu, percebe-se que Leibniz lutou com as armas que lhe eram possíveis combater. Como afirmou, de forma precisa e contundente, o mestre Alexandre Koyré: “Deus, por conseguinte, não era responsável pelos males que não podia prevenir nem remediar. Afinal, este mundo era apenas o melhor mundo possível, e não um mundo perfeitamente bom, coisa que não era possível.”[1]

Leibniz lutou, portanto, o bom combate.

           

[1] KOYRÉ, Alexandre. Do mundo fechado ao universo infinito. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 4ª edição, 2006, p. 241.

* Esta é a conclusão de um artigo apresentado por este subscritor ao Mestrado de Filosofia da Universidade Federal da Paraíba, pelo Programa de Pós-Graduação da UFPB.

Thiago Andrade Macedo: escritor infiltrado no serviço público federal, advogado não militante, autor do romance policial, psicológico e filosófico O Silêncio das Sombras, também atuou como articulista do jornal A União; filho de pernambucanos nascido nas Minas Gerais, atualmente é um ex-nômade radicado em João Pessoa, Paraíba.

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