Normalmente negamos o que muito nos é atraente. Cada ser é dotado de um ritmo contemplativo para além do imediato e visível. Não há nada mais frustrante do que presenciar as expectativas que não se realizam. Só os sábios possuem a sabedoria de olhar para trás como quem agarra no ar uma águia.

Deve-se pôr a intenção de ser feliz acima de qualquer sentimento, como se colocam as porcelanas fora do alcance das crianças. Necessita-se de anos de experiências para obter compreensão, mas é imperativo começar.

Com a potencialização das habilidades, Iddy interroga sentimentos que parecem traduzi-la. Borda borboletas onde as árvores bebem réstias de calor, estreia um novo modo de saltos como se fosse feérica. O dito e o não dito acolhem-na como irmãs siamesas. É-lhe imprescindível aceitar a dialética da vida, mesmo quando lhe parece impossível. Tudo é conosco até deixarmos de ser. O tempo não nos carrega; nós é que o carregamos como se o quiséssemos esculpir com o cinzel das ervas. Iddy encontra estratégia ainda que no erro.

 “Oh, minha alma, quanto me custa presenciar-te? Nasces-me sem que eu te saiba totalmente. Não deixes desaparecer o belo que em mim é prelúdio. Não colhas essa transgressão que me prende e me surpreende ao desfiar no alaúde da tua mão, pálidos clássicos contidos em semibreves onde só cabem ciência e sede. Não sou eu que toco, mas tu. Como se me fossem acessíveis os sublimites curvos e os fardos dobrados em tudo o que se origina do abandono das ruas fundas e seu teor oblíquo a medir-me se estou ou não ao lado de alguém, ou se alguém me segue para teatralizar-me – pensa em quanto é avesso esse canto insuprimível, decorado à exaustão, a obter assonâncias que me crivam a derme como se volúveis fronteiras. Estende um trilho ornamentado de tuas extensões incrimináveis. Como se eu não te visse quando ao meu lado te expandes para morrer-me corrosivamente por não ser o aconchego, cuja chave tu deténs. Espero imóvel a porção divergente que me acresces. Carrego-me de alvos para não sucumbir às fadigas do pântano, [hoje voo por um lugar de armas onde se promete defesa e segurança]. Mas é em ti que a campina se alastra. Acreditavas que era artística a forma de partires como se reiterado fosse o frenesi experimentado no ontem – não faz diferença se há ou não o vestígio. Prometo a aspiração dos polimentos que pendem dos teus pés. Nada será mais intenso que a hesitação desse sombrio dorso sem sobriedades. Como se para lavar impasses e dramas, me pedes que escreva depois de tudo o que jaz escrito. O que ignoro me afeta igualmente ao que conheço. Letras negras sobre uma intocada folha de papel são-me nesse momento a estrutura que, nem os astros, faz mais ágil e entrópica. São quintais de rabiscos o que encerro no que nunca será livro. Senão a liberdade transpondo-se ao inóspito ente que transmuta o sofrimento num barco e nada cobra do Sol. Senão o adiamento de uma escrita apagada às batidas do sino. Não esperes nem aspires coisa alguma. Eu me teria emudecido se a insuficiência me fosse indissolubilidade sem prólogo ou epílogo – feminina é a Terra – palavra errante que se faz ave nos abismos majestosamente crus. Há muito tempo me soaria silente a hora de recompor o que quer que fosse. E desse susto atroz, ser a muralha desfeita pelo perdão que não aprendo a te dar – apenas intenciono não esquecer”.

Iddy é grácil quanto Iemanjá, quanto ao regato que ao pó se mistura retratando os ressequidos sertões onde seus habitantes arquejam cansados pela improvidência que lhes escava, até o último fio, a dignidade e a esperança. A denominação que destila a boca da definitiva interrupção, de um país cujo ventre se cola às oportunas madeixas do chão, às ataduras do medo e possui frases de combustíveis fósseis nos braços. Salvo o oceano mais próximo e todos deixariam de ser dilúvio para serem navios de Noé. Mas engolem-se os desvalidos sem piedade nem condescendência – ocidentalizada a garra dos dominus compassione, tudo se baliza ou se balança no palco das felicidades esquecidas. Deve ser bom ir-se assim – pérola negra em tantas quebras de ‘graças a Deus’ e de ‘se Deus quiser’. Porque a simplicidade é guardiã da sabedoria e da gratidão de estar nesse mundo com o entendimento de que tudo o que nos enovela cessará, que a nada pertencemos assim como nada nos pertence. Aceitar. E restar Iddy, com e como todas as almas. Definitivamente, em paz.

Tere Tavares: escritora e artista visual, residente em Cascavel, PR, autora dos livros Flor Essência (2004), Meus Outros (2007), Entre as Águas (2011), A linguagem dos Pássaros (Ed Patuá 2014), Vozes & Recortes (Ed Penalux 2015), A licitude dos olhos (Ed Penalux 2016), Na ternura das horas (Ed. Assoeste 2017) Campos errantes (Ed. Penalux 2018), Folhas dos dias (Selo Ser MulherArte Editorial, 2020), Destinos desdobrados (Ed. Penalux, 2021) e Diário dos inícios ( Metanoia Editora, Selo Mundo Contemporâneo Edições, 2021) . Conta com publicações em antologias, jornais e sites literários nacionais e internacionais. Integra a Academia Cascavelense de Letras. Blog: http://m-eusoutros.blogspot.com/ Facebook: https://www.facebook.com/tere.tavares.1

E-mail: t.teretavares@gmail.com