Enquanto visitava sua irmã durante o outono de 1989, o diretor e roteirista Richard Linklater viveu um romance de uma noite com uma moça chamada Amy Lehrhaupt. Tal evento o inspirou a escrever o roteiro de Antes do Amanhecer (Before Sunrise, 1995). Linklater contou que, no decorrer do encontro, ele ficou repetindo para ela que “Iria fazer um filme sobre aquele momento”, e disse que Amy ficava sem entender o que estava acontecendo – “Como assim, um filme sobre o quê?” -, o tempo passou e eles acabaram perdendo o contato…

Alguns anos depois, a promessa de Linklater se cumpriu, e nascia ali não apenas o filme sobre aquela noite, mas a primeira parte de uma das maiores trilogias do cinema. A comoção em torno do filme foi tão grande, que o diretor decidiu responder a dúvida dos fãs sobre o que aconteceu entre os dois, se de fato a promessa de se verem um ano após aquele dia teria se cumprido ou não.

Em entrevistas após o lançamento do segundo filme da trilogia, Antes do Pôr do Sol (Before Sunset, 2004), Linklater disse que esperava acontecer o mesmo que no início de seu filme, ou seja, Amy aparecer em alguma das estreias de seu filme e surpreendê-lo. Porém esse não foi o caso: se, no primeiro filme, os acontecimentos reais inspiram o roteiro; na sua sequência, o autor espera que o contrário ocorra.

Infelizmente, Amy nunca surpreendeu Linklater como assim ele esperava, e apenas alguns anos depois ele descobriu porquê. Em 2010, um amigo da moça enviou uma carta ao diretor e explicou o seu desaparecimento: em 9 de maio de 1994, Amy sofreu um acidente de moto e faleceu em decorrência dos ferimentos. A trilogia chegaria a um fim alguns anos depois em 2013, com o genial Antes da Meia-Noite (Before Midnight).

Não faço ideia de que efeitos essa triste descoberta teve sobre Linklater, mas sem dúvida o tom da terceira parte é bem diferente dos anteriores. Não necessariamente pessimista, na verdade penso que o filme se torna ainda mais realista. Sem burocracias e de uma maneira bem clara, o autor aborda os altos e baixos que toda relação possui, deixando seu olhar impresso em nós: mesmo a melhor dessas relações só se manterá ou alcançará esse posto com empenho e trabalho.

Creio que essa é a visão mais realista sobre o que é um romance de verdade: o esforço existe não por ser um fardo, mas sim porque a partir dele surgirá algo grandioso. Pierre Mignard foi o pintor responsável pela icônica pintura intitulada “Chronos corta as asas do cupido” – nela vemos o pai dos Deuses gregos aparando as asas do anjo do amor. Acredito que a interpretação da pintura e o processo pelo qual Linklater passou culminam no mesmo lugar.

Na pintura, Cronos, apesar de estar aparentemente performando um ato barbárico, o faz com extremo cuidado, pois o realiza para que o cupido possua asas menores e assim voe mais perto do solo. Cronos o molda a ser mais realístico, estar em sintonia com a vida. Penso que Linklater passou pelo mesmo processo durante os quase vinte anos entre seus filmes, sua história foi cada vez mais se tornando algo intimamente realista. E não é por ser verdadeiro que isso torna o romance menos deslumbrante ou envolvente. Na prática, é justamente o contrário que ocorre, tornando a trilogia uma das histórias mais especiais que o cinema já contou, que sem dúvida deveria ser vista por todos…

Rodrigo Maracajá: radicado em João Pessoa, é um dos autores da novíssima geração, crítico de cinema, estudante de Línguas Estrangeiras Aplicadas às Negociações Internacionais, desbravador da literatura e apaixonado por música e HQs.

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