O turismo é poderoso em toda a Europa, principalmente em Paris, Londres, Madri. É a segunda maior fonte de renda da Espanha, e impressiona ver que a maior parte dos visitantes vai pra uma capital sem nada parecido com a Baía de Guanabara ou os Alpes e Pirineus, a Torre Eiffel ou o Big Ben, sequer um Parque Güell ou catedral da Sagrada Família. Tem, no entanto, o grande Museu do Prado, cujo centro é a coleção de Velásquez, El Greco e Goya. Vi, durante oito dias, multidões chegando – alemães, japoneses, americanos, latino-americanos – e a reação unânime ante o velasquenho Las Meninas era sempre: “Ó!!!”

A pergunta que me ocorre – ante todos os recursos de que dispõem o cinema, a TV, o computador e tudo mais que a tecnologia contemporânea anda aprontando nas chamadas artes visuais, é: Por que? Como a fotografia, a pintura só tem um fotograma pra dar seu recado – denso pelo significado, perfeição técnica e beleza. Daí que Carter-Bresson falava em “instante decisivo”: “Dentro do movimento existe um instante no qual todos os elementos que se movem ficam em equilíbrio. A fotografia deve intervir nesse momento, tornando o equilíbrio imóvel”.

Mas minhas aulas de pintura figurativa acrescentaram a esse zelo pela forma (que exige sempre algo novo, ou não será criação), o conteúdo… sintetizado no chamado “momento pregnante”. Exemplo: o conde de Orgaz – cercado de nobres – é baixado à sepultura pelos santos Agostinho e Estevão, enquanto sua alma é recebida por Cristo, Maria, pelos bem-aventurados e os anjos, no céu. Ponto. Isso é o centro de toda uma bela Toledo erguida numa quase ilha cercada pelo Tajo (que será Tejo, em Portugal).

Necessidade imperiosa: criar algo que acompanhe seu tempo ou antecipe o que se segue. Foi imensa a importância da primeira estátua a simular um passo humano, na longa tradição anterior, em que a rigidez corporal era absoluta.

Na Grécia, por volta de 300 ou 400 a.C., Lisipo conseguiu outro avanço espetacular, quando produziu um Marte sentado, segurando a espada junto ao joelho, o que inseriu o vazio – o espaço entre os braços e o corpo – na escultura.

Em Pompéia são vistos dois meios novos de se produzir um quadro. O primeiro: através do mosaico. Atomizada, a cena é composta de pequenas pedras coloridas – tesselas. Seu auge, na cidade do Vesúvio, é A Batalha de Dario e Alexandre em Isso, de autor desconhecido, em que é impressionante a verossimilhança dos guerreiros em combate. O segundo: o afresco, em que o pintor pinta sobre a massa ainda úmida que reveste uma parede ou teto. O afresco pompeiano, soberbo, retrata os Mistérios, cerimônias bastante obscuras da época. 

Já na Idade Média, com a grande inovação que foi a catedral gótica, de enormes dimensões que exigiam muita luz e, portanto, muita janela, surgiram os vitrais, que nos deslumbram em Paris, Milão e Colônia, embora uma capela tenha sido – na minha opinião – o que de mais deslumbrante se fez na área, a Sainte-Chapelle, situada na mesma ilha do Sena em que está Notre Dame. 

A pintura sacra dominante então – a bizantina ( chapada, com fundos dourados, pois os encantos da vida terrena eram proibidos pela Santa Sé ) teve de ser interrompida com o aparecimento de Francisco de Assis e seus poemas sobre o irmão sol e a irmã lua, além do irmão lobo, irmão pássaro, irmão peixe, etc. Giotto – o pintor que foi incumbido de fazer uma série de afrescos sobre ele – trouxe a natureza de volta à Arte , causando toda uma revolução que foi a Renascença, com a redescoberta da grande arte a que se chegara em Atenas no chamado Século de Péricles, mais o enriquecimento dos grandes principados italianos e da Igreja.

Por volta de 1420 surgiu uma técnica refinadíssima para pintura, que foi a do óleo, atribuída geralmente ao imenso, genial pintor flamengo Van Eyck. Juntava-se a esse meio novo, o apuro refinadíssimo a que se havia chegado com as iluminuras – ilustrações de livros, principalmente de Bíblias, até aí escritas a mão. 

Bem, há quem defenda a tese de que o complexo de édipo faz com que toda nova geração rejeite o que fez a anterior. Isso explicaria a troca do classicismo pelo rococó, que foi seguido pelo neoclássico, de que foram mestres David, Gross e Meissoinier – o que tem uma cena napoleônica que lembra muito o Grito do Ipiranga do nosso Pedro Américo. 

Aí veio o impressionismo, avassalador, resultado das novas teorias de óptica e da invenção do tubo de tinta, que permitiu ao pintor passar a trabalhar em plaine air – ao ar livre. Cézanne, retomando ideias de Piero della Francesca (século XV), reduziu tudo a cubos, cilindros, esferas e cones, o que foi levando às últimas consequências por Picasso e Braque, que criaram o cubismo, que gerou o abstracionismo. A isso se seguiu o revide da Pop Art , do Hiper-realismo, veio o chamado Pós-Modernismo, que passou a convalidar uma mistura de tudo que se usara até então em arte.

Aí, nova revolução: todos os suportes foram considerados superados – tela, parede, pedra. Surgiu a arte conceitual e a nova onda de instalações – de que o paraibano José Rufino é um exemplo. Se Cézanne fora buscar uma saída em dela Francesa, a transformação, agora, vinha de Duchamp e o urinol que expusera com o título de “Fonte”, em 1911. 

Pra onde vamos? O livro Arte Moderna, de Giulio Carlo Argan, tenta dar uma pá de cal na Arte: – Ao paganismo – ele disse – sucedeu-se o cristianismo; à alquimia a ciência; ao feudalismo as monarquias, e veio, depois, o Estado burguês, quando o artesanato deu lugar à indústria. O que pode suceder à arte, que é artesanato sofisticado, mas artesanato?

W. J. Solha: romancista, poeta e ensaísta paulista radicado na Paraíba, é também dramaturgo, ator, artista plástico e publicitário, com vários livros publicados e premiados, transitando em várias frentes de nossa cultura; um artista "multimídia" por excelência.

E-mail: waldemarsolha@gmail.com