Charles Lutwidge Dodgson – famoso com o pseudônimo de Lewis Carroll, autor de Alice no País das Maravilhas – dizia que gostava muito  de crianças, “exceto meninos”. Fotografava garotinhas, principalmente seminuas e nuas, como fez com Evelyn Hatch, que posou para ele em 1878:

Já a foto abaixo – mais comportada, mas nem tanto – ele a tirou de Alice Pleasence Liddell, que tinha 10 anos quando lhe inspirou a célebre personagem com o mesmo nome:

Aqui, o registro de um beijo muito esquisito, que ele recebeu dela:

Influenciado por Lewis, o artista plástico francês Balthasar Klossowski (ou Kłossowski) de Rola  – que se tornaria célebre como Balthus – não deixaria por menos:

Mas, como nunca há nada de novo debaixo do sol, foi só me concentrar um pouco no tema, pra me lembrar de um comentário que li há séculos, num fascículo da História da Arte Salvat –  dedicado à pintura e à escultura francesas do século XVIII – a respeito de um quadro de Jean-Baptiste Greuze: La Cruche cassée –  “O Cântaro Quebrado”, no qual, como ele gostava de fazer, retratou uma garota (aparentemente) virginal. “Muitas dessas ´meninas inocentes´ – diz o texto – revelam, no fundo, virtude bastante duvidosa”. Veja a obra e, em seguida, alguns de seus detalhes:

Não foi difícil para os analistas concluírem que houve, aqui, um defloramento…

… também simbolizado pelo estado do cântaro da ninfeta.

Daí que não sei se vou longe demais se deduzir – ante o belo retrato (reproduzido abaixo) da mui britânica freira Elizabeth Throckmorton –  que o velho francês Nicolas de Largillière (tinha 70 anos quando o pintou, em 1729) nos revelou um pouco  mais do que deveria, ao fazê-la com os lábios tão vermelhos, seios tão evidentes, olhos tão lânguidos, o indicador firmemente introduzido na apertada abertura de seu missal…

Bom, se com isso extrapolo, Bernini exagerou muito mais ao criar “O Êxtase de Santa Catarina de Siena”. Ávido por temas eróticos, que comumente encontrava na mitologia grega, como ao captar, aqui, o momento em que Dafne, alcançada por Apolo – ansioso por violentá-la – começa (pelos dedos) a transformar-se numa oliveira, pra escapar dele…

… ou, aqui, o instante em que Plutão rapta Prosérpina…

… ele deu ao delírio religioso da doutora da Igreja o mesmo sentido… pecaminoso… das obras pagãs:

Em “As Paixões Segundo Dali”, de Pawells, vê-se o gênio catalão afirmando que Catarina de Siena “formulou um desejo que leva o furor religioso e carnal, o delírio espiritual, a abjeção gloriosa e o amor supremo a um ápice que não admite resposta. Ela gritou: “Quero que Cristo monte em mim – monte – como se eu fosse uma cruz!” Bernini “flagrou” esse gozo no que ela recebe “a flecha” do anjo:

A propósito. Fiz, em 1997, para o auditório da reitoria da UFPB, em João Pessoa, o painel “Homenagem a Shakespeare”, que é um retângulo com 7,20 m de largura por 3,60 de altura, composto de 36 telas, em que cada uma se refere a uma das peças do Bardo. A grande figura que é Iago ao infernizar a vida de Otelo, levou-me a retratá-lo com uma das mãos sobre o Evangelho de São Marcos ( santo patrono de Veneza ) enquanto na outra o vemos estirando-nos, escamoteadamente,  o dedo médio. De armadura, como o soldado que ele era, fiz, no entanto, seu rosto… afemininado, por conta de sua fala na cena III do terceiro ato do “Othello, the Moor of Venice”, que aqui vai com minha tradução, tão suspeita que coloco o trecho, em seguida, no original shakespeariano:

IAGO – Otelo, (… ) deitei-me recentemente com Cássio. (…) Ouvi-o dizer durante o sono, “Desdêmona querida, sejamos cautelosos, vamos esconder nosso amor!” E então, senhor, pegando-me a mão e apertando-a, ele suspirou: “Oh criatura adorável!” e beijou-me com força, como se me colhesse pela raiz os beijos que me brotavam aos lábios. Então pôs a perna sobre minha coxa, suspirou, beijou-me de novo, e disse: “Oh maldito destino, que te deu ao Mouro!”

Iago: “…I lay with Cassio lately…. In sleep I heard him say, “Sweet Desdemona,Let us be wary, let us hide our loves!”And then, sir, would he grip and wring my hand,Cry “O sweet creature!”, then kiss me hard,
As if he plucked up kisses by the roots. That grew upon my lips; then laid his leg. Over my thigh, and sighed, and kissed, and then Cried, “Cursed fate that gave thee to the Moor!”

Aliás, de referências homossexuais Hieronymus Bosch, muito anterior a ele, está cheio. Veja, no detalhe abaixo de seu tríptico no Museu do Prado, chamado de “O Inferno Musical”, um homem com uma flauta no ânus, enquanto pássaros irrompem do reto de outro que é devorado…

… momento em que outro condenado sobe uma escada, indiferente â flecha que fincada no traseiro.

Já no painel central  – o do “Jardim das Delícias” – um sujeito põe flores no furico de outro, que nos olha matreiro, percebendo-se flagrado.

E aí lembro outra vez o Eclesiastes: Nihil novi sub sole. Porque há um conto – “A Angústia do Rei Saul” – em minha “História Universal da Angústia” (Bertrand Brasil, 2005), que teve origem na forte impressão que me causara, quando menino, a tristeza profunda desse rei judeu, conforme a vira numa revista chamada Epopéia, da Editora Brasil América Ltda – EBAL, que lera na época. Desenvolvi, então, décadas depois, minha narrativa a partir de minha teoria de que houve dois motivos pra tal spleen: o primeiro foi o fato de que Samuel fez – na marra – com que esse homem humilde fosse entronizado sobre seu povo,  e, pior:  passou a manobrá-lo pra ações terríveis – como trucidar outros povos (inclusive os velhos, mulheres, crianças e animais) alegando que isso era a vontade de Jeová. Segundo: Saul, que encontrara alívio pra seu desespero ao ver o jovem pastor Davi cantar, acompanhando-se da harpa, conforme se lê em I Samuel 16, 21-23, …

Assim Davi veio a Saul, e esteve perante ele, e o amou muito, e foi seu pajem de armas.

Então Saul mandou dizer a Jessé (pai de Davi): Deixa estar a Davi perante mim, pois achou graça em meus olhos.

E sucedia que, quando o espírito mau da parte de Deus vinha sobre Saul, Davi tomava a harpa, e a tocava com a sua mão; então Saul sentia alívio, e se achava melhor, e o espírito mau se retirava dele.

Bem.

Saul era tão belo que entre os filhos de Israel não havia outro homem mais belo do que ele; desde os ombros para cima sobressaía a todo o povo. I Samuel 9,2

E

Davi era de gentil presença – I Samuel 16.18

Bom pra Saul? Não.

I Samuel 18. 1

E sucedeu que (…)a alma de Jônatas (filho de Saul) se ligou com a alma de Davi; e Jônatas o amou, como à sua própria alma.

Caramba, as pessoas se infernizam umas às outras desde o princípio dos tempos! Daí os eufemismos, omissões e meias verdades das narrativas prosseguindo sempre, como no recente filme “Tróia”, suponho que pra preservar a imagem de Brad Pitt…

… que, no filme, teve  reduzida a uma intensa amizade a paixão – segundo Ésquilo, Platão e Shakespeare – de seu personagem Aquiles… por Pátroclo.

Que é que se pode fazer, diante de tanto artifício – em Alice, Otelo, Bernini? – Deitar o ser humano em um divã… e deixá-lo falar-nos à vontade…

W. J. Solha: romancista, poeta e ensaísta paulista radicado na Paraíba, é também dramaturgo, ator, artista plástico e publicitário, com vários livros publicados e premiados, transitando em várias frentes de nossa cultura; um artista "multimídia" por excelência.

E-mail: waldemarsolha@gmail.com