Autodidata é o personagem de A Náusea, de Sartre, que está lendo – em ordem alfabética – todos os livros da Biblioteca de um lugarejo chamado Bouville, revelando, por isso, respeitável cultura … que vai até a letra I. A carapuça gozadora me serviu, quando – nos anos 60 – já fizera coisa parecida numa cidade do sertão chamada Pombal – ao devorar algumas enciclopédias, embora Bob Dylan dissesse que “the answer is blowin’ in the wind” e os cientistas já se esfalfavam no aperfeiçoamento dos primeiros computadores e davam os passos iniciais na criação da Internet. É incrível como a sigla www é recente: 1996 – ano em que meu neto Israel – agora com 21 anos – nasceu! 

Assim, de repente, na terceira idade, vejo-me mais empolgado com a extraordinária riqueza de dados que me chegam por esse meio, do que quando os recebia, na era dos descobrimentos – a infância – , por revistas que apareciam lá em casa, como Eu Sei Tudo (com seções tipo “A Sciência ao Alcance de Todos”), ou mil vezes mais entusiasmado do que quando, nos anos 50, devorava os dezoito volumes do “Thesouro da Juventude”. 

Se o Google me levou à editora Palimage, que lançaria meu livro Trigal com Corvos em Portugal; se me apresenta os poemas de William Carlos William e Vitória Lima, as esculturas de Camille Claudel e Miguel dos Santos, as fotografias de Ansel Adams e de João Lobo, além de me passar informações sobre todos os filmes possíveis e imagináveis, levando-me, ainda, aos extremos do universo e à intimidade dos átomos, comove-me por não se ater a luminares da filosofia, da política, da ciência ou das artes.

Assim, vi, no Google – sem que eu tenha o pedigree de um Ariano Suassuna, nascido no Palácio da Redenção -, que o carpinteiro Fortunato e a costureira Ermelinda – meus pais – casaram-se no dia 08 de janeiro de 1930; que meu avô paterno, Joaquim Solha, nasceu em Lisboa, a 06 de fevereiro de 1875, filho – eu também não sabia – do casal Constantino e Rita.

Fico pensando no que será a informação daqui a cem, a mil anos. Fala-se, já, num implante no cérebro, que nos deixará, de imediato, donos de todo o conhecimento disponível, acessável como se fosse nossa própria memória. Sempre me pareceu que houve uma troca nos nomes atribuídos ao Consciente e Inconsciente, um ciente de tão pouco, o outro o verdadeiro Eu Sei Tudo que nos guia as biografias e a História, mas creio que caminhamos, num ritmo crescente, para a fusão dos dois, o que me faz lembrar o Gênesis quando diz “Sereis como deuses”, e Teilhard de Chardin, quando já data algo parecido no que chama de Ponto Ômega.

W. J. Solha: romancista, poeta e ensaísta paulista radicado na Paraíba, é também dramaturgo, ator, artista plástico e publicitário, com vários livros publicados e premiados, transitando em várias frentes de nossa cultura; um artista "multimídia" por excelência.

E-mail: waldemarsolha@gmail.com