Acabo de assistir ao “Bacurau “. A dupla de roteiristas/diretores Kleber Mendonça/Juliano Dornelles sabe como fazer de uma história arquetípica, um filme… fora do comum. Bacurau é denso e tenso. Nunca se sabe o que vai acontecer em seguida. Nada de soluções fáceis para o espectador. Por que, por exemplo, o alemão interpretado pelo Udo Kier… mata alguns dos seus comandados, na invasão do vilarejo? Por que a coisa toda começa com a câmera se desviando das estrelas e enfocando a Terra e, na Terra, o Brasil, de cujo Nordeste se aproxima, enquanto Gal canta que vai gravar “uma canção de amor / num disco voador” – e vemos um drone travestido de OVNI perseguindo o caminhão-tanque que vai levar água pra Bacurau?

Claro: isso nos prepara pra outras “brincadeiras” na mesma linha, no decorrer da história.

Udo Kier é um ator de closes poderosos. Depois dele – entre tanta gente que vive a narrativa – talvez apenas Tomás de Aquino – que faz Pacote -, e Suzy Lopes – a Luciene, tenham presença excepcionalmente tão forte. Mas a dupla de diretores sabe trabalhar seus elencos, fazendo com que uma estrela como Sônia Braga não apague nenhum dos muitíssimos figurantes que a rodeiam, inclusive crianças – façanha que me remete ao velho clássico Umberto D, do De Sicca.

Falei em arquétipo. “Bacurau” retoma o tema do “Sete Homens e um Destino”- o faroeste de John Sturges que foi buscar sua essência em “Os Sete Samurais” – de Kurosawa, em que um lugarejo no velho Oeste, assim como uma vila japonesa, recorrem a pistoleiros – no primeiro caso – e samurais – no segundo -, pra se protegerem de assaltantes que vão atacá-los . No caso nordestino, a salvação está – em parte – no grupo liderado pelo foragido Lunga, vivido por Silvero Pereira. Kleber/Dornelles tiraram o enfoque principal nos solicitados para a defesa, centrando-o no povo do vilarejo. Kurosawa e John Sturges disseram que , de vez em quando, ser violento passa a ser necessário. Só. O objetivo político, no filme nacional, é mais abrangente.

O casal Ingrid Trigueiro e “marido”, por exemplo, reagiu com força, atacado pela dupla de gringos. E a respeito dessa reação do povo de Bacurau, ressalte-se a exceção que faz a regra: a fuga do casal Buda Lira e “esposa”: os dois se mandam e, com esse isolamento, têm o carro metralhado na estrada, o que dá ao grande ator que é o Buda (o grande mestre Amaro de minha versão de Fogo Morto – Papa Rabo, para teatro, brilhantemente encenada por Fernando Teixeira ) a mesma famosa cena de Bonnie and Clyde, em que Warren Beatty com a “companheira” são fulminados pela metralha, a mesma grande cena em que Sonny Corleone – James Caan – morre da mesma grandiloquente maneira Kleber/Dornelles sabem tudo sobre cinema.

 

 

 

W. J. Solha: romancista, poeta e ensaísta paulista radicado na Paraíba, é também dramaturgo, ator, artista plástico e publicitário, com vários livros publicados e premiados, transitando em várias frentes de nossa cultura; um artista "multimídia" por excelência.

E-mail: waldemarsolha@gmail.com