Eu era o subgerente da agência do BB em Pombal, alto sertão paraibano, cidade que não tinha água encanada (servida em carros de bois) tv, nem livrarias, bancas de jornais e telefone interurbano, 1968, quando soube que o filme “2001” estava passando no Recife. Peguei meu fusca e fiz os 447 km de estrada até a Pré-História com o humanoide remoto descobrindo a um só tempo ferramenta e arma, ao manipular um fêmur, ao som do inesperadíssimo Assim Falou Zaratustra, de Richard Strauss (1896), de que se partiu para o Danúbio Azul, de outro Strauss, Johann Jr, 1866, a fim de acompanhar, no espaço, a deslumbrante valsa da estação orbital (que lembrava o Hotel Tambaú, criado na época por Sérgio Bernardes, visto de cima), e imergi no futuro-do-presente, com as composições então atualíssimas de György Ligety – Requiem, Atmospheres e Lux Aeterna.

De repente… de repente, fora do esquema dos eruditos clássicos ou experimentais, uma cançãozinha que me remeteu à MINHA infância. É quando o computador HAL 9000 (Heuristically programmed Algorithmic computer) depois de eliminar toda a tripulação da nave Discovery, a caminho de Júpiter, tem a memória atacada por David Bowman (vide primeiro vídeo logo abaixo deste texto), que lhe faz uma espécie de lobotomia (uma nova forma de recontar Davi/Golias). A fim de provar que não está sendo afetado pela manobra, o artefato canta uma canção de 1892 – “Daisy Bell – A bicycle built for two” – com letra e música do inglês Henry Dacre, tão popular nos Estados Unidos, que Arthur Clarke (roteirista do filme) a vira ser sintetizada pelo computador IBM 704 em 1961, numa façanha tecnológica dos Bell Laboratories que o impressionara muito, daí a homenagem no filme. É a que você pode ouvir, com a letra em tela, no segundo vídeo desta publicação.

Tudo bem. Tive a infância marcada por jingles transmitidos pela Rádio Nacional do Rio de Janeiro, que minha mãe e minhas irmãs – costureiras profissionais – ouviam o dia inteiro, anos 50, 60. Mas havia uma que se destacava pelo ritmo lento e pela extensão: a do xarope Phymatosan: a mesma de Hal 9000:

“Daisy, Daisy”, ( phyma-tosan)

“Give me your answer do” (quando você tossir)

“I´m half crazy “, ( Phymatosan )

“all for the love of you…” ( se a tosse resistir…) , etc.

Isto é,

Realmente,

Uma aldeia

Global.

W. J. Solha: romancista, poeta e ensaísta paulista radicado na Paraíba, é também dramaturgo, ator, artista plástico e publicitário, com vários livros publicados e premiados, transitando em várias frentes de nossa cultura; um artista "multimídia" por excelência.

E-mail: waldemarsolha@gmail.com